sábado, 24 de novembro de 2007

Habitantes importantes.............

O "Ti Faneca"
E o Faneca Velho toca, toca… e o pé bate, bate… e o cigarro no canto da boca, arde, arde… e os pares dançam, dançam, dançam…. até que, o Rafael Coxo, faz sinal ao Faneca Velho, e a concertina pára.… e o Rafael Coxo sobe ao palanque, e diz do alto da sua sapiência: "Alto e para o baile, …. É favor os Cavalheiros levarem as Damas ao bufete!" E o Faneca Velho volta a por a concertina a jeito e lá começa a tocar, a tocar… e o pé a bater, a bater… e tudo volta ao mesmo, só os Cavalheiros é que não acham graça à intervenção do Rafael Coxo, é que, nestas coisas, o Rafael Coxo é Mestre. A ciência toda está em saber, ou calcular, qual é a moda em que o Rafael Coxo manda as Damas ao bufete, é que para os Cavalheiros, cinco ou dez tostões é dinheiro, e uma gasosa ou uma laranjada é o bastante para lhe levarem o que sobrou para o fim de semana, e nem sempre a Dama o merece. Mas, não pode ficar mal à frente do pessoal, e regra é regra. O cigarro do Faneca Velho está a chegar ao fim, quase lhe queima os lábios, que habituados já estão destas queimadelas, e é o tempo para a moda chegar ao fim. O cigarro é como se fosse uma ampulheta, mede o tempo da tocadela assim como o bater do pé mede o compasso da moda.
Os pares desfazem-se, os Cavalheiros regressam ao seu sítio do lado da porta e em frente ao balcão do bufete, por detrás dos dois bancos corridos que estão ali exactamente para marcar o terreno. As Damas, vão para o assento ao lado da sua Mãe, ou de quem está encarregado de controlar com quem a Dama dança, sim, porque essa coisa de ir ao baile tem muito que se lhe diga. Os assentos das Damas e suas acompanhantes são os conhecidos bancos corridos de madeira, dispostos em volta do recinto de dança.
Os Cavalheiros que têm tostões de sobra bebem o seu copo, olham as Damas, ensaiam sinais conhecidos ou piscadelas de olho, e um deles grita ao Faneca velho " Oh Ti Faneca, toque uma devagarinho!", e o Faneca Velho, que destes pedidos está ele farto de ouvir, e também porque tinha tanto de malandreco como de cabelo em falta na cabeça, põe a mão em jeito de funil na orelha, e responde bem alto para o Cavalheiro atrevido; " O quê ?? um corridinho ?? É pra já!" E antes que o interlocutor consiga reagir, já se ouvem os primeiros acordes dum corridinho do Algarve, daqueles mesmo muito rápidos.
E o "Ti Faneca" com a sua concertina às costas, pedalando a sua bicicleta, corre, corre… estrada acima, corre, corre…estrada a baixo, Linhó, Albarraque, Manique de Cima e Manique de Baixo, Mem Martins, Casais de Mem Martins, Ranholas, Lourel, Várzea de Sintra, Ribeira de Sintra e… até onde o chamam para tocar uma moda devagarinho ou um corridinho do Algarve….
Nota: O "Velho" em Faneca é sinónimo de respeito, e o Coxo do "Ti Rafael" era alcunha, porque felizmente o "Ti Rafael" não era deficiente motor.
São ambos figuras relevantes da nossa Abrunheira. O "Ti Faneca" era um Artista e Bom Homem conhecido em todo o Concelho de Sintra e Cascais e deve ter morrido nos finais da década de 60 princípio de 70. O "Ti Rafael " meu tio, era O "animador de serviço". Grande entusiasta da vida associativa da nossa Terra. Era da sua responsabilidade a realização dos bailes, enterro do bacalhau no entrudo, e tudo o que era diversão. Quando havia uma festa, uma baile, lá estava o "Rafael Coxo". Penso que morreu no princípio da década de 80.
Silvestre Félix