domingo, 18 de novembro de 2007

Fundação da URCA

O nosso amigo Sivestre Félix conta-nos mais um episódio da fundação da URCA
Capítulo II
Antecedentes
Pelo que disse no capítulo anterior, pode concluir-se que é a vertente Cultural que vai influir duma forma decisiva, na fundação e nos primeiro tempos de funcionamento da URCA.
O café do Cabaço era o nosso ponto de encontro. Ali conversávamos, via-mos televisão, lia-mos as notícias, conspirávamos, namorávamos e também comia-mos e bebia-mos, jogávamos matraquilhos, jogávamos king, enfim era a nossa segunda casa e para alguns quase a primeira.
Quando o Cabaço fechava, ainda subia-mos o "corronquinho" (não sei a origem do nome nem se a palavra está bem escrita, mas era assim que se chamava a rua e o local onde hoje é a drogaria e as moradias à volta, para além disso ainda não havia nomes de ruas) e ficava-mos à conversa, muitas vezes anti-poder, na esquina da MFA com a Ferreira de Castro madrugada dentro, e sempre atentos a qualquer movimentação suspeita, a PIDE andava aí.
Entretanto é de realçar a ajuda que algumas pessoas nos davam para as nossas festas e comemorações. O Sr. Saraiva da serração, que por várias vezes nos emprestou as suas instalações para aí fazermos bailes ou programas de "variedades". O Manuel Cabaço e a D. Silvina que nos aturavam todos os dias e, visto à distância, tinham muita paciência, o Joaquim Santos e a Julieta que acompanhavam a Odete que fazia parte do núcleo duro, e muitas reuniões foram feitas na casa deles.
Com a aproximação do 25 de Abril, na altura dos episódios do 16 de Março (levantamento militar do quartel das Caldas da Rainha) e ida da "Brigada do reumático" a S. Bento, a publicação antes do livro "Portugal e Futuro" do General Spínola, fez com que nós andássemos um bocado agitados. Chegava-nos todos os dias à mão propaganda contra a guerra colonial, contra a pide, enfim tudo o que o regime proibia e considerava propaganda comunista e anti-patriótica. Naquele final de 73 e princípio de 74, assisti várias vezes em Lisboa a investidas da polícia de choque. Nenhum de nós queria ir para uma guerra, que, muitos de nós já considerávamos injusta, não só para nós, como para os povos das antigas colónias. A guerra era o motor mais visível da contestação ao regime, na população duma forma geral, e dentro do regime.
Em finais de 73 houve as últimas pseudo-eleições promovidas pelo regime, em que, muito embora se tenham apresentado listas de oposição (CDE + CEUD….) acabaram por desistir porque não conseguiam fazer campanha. Qualquer comício ou simples reunião promovida pela oposição, era logo invadida pela policia com orientação da PIDE (nessa altura DGS). Um desses acontecimentos que conseguiu chegar ao conhecimento da generalidade dos Portugueses, foi uma encontro em Aveiro promovido pela CDE, em que os participantes eram em tal número que a polícia+pide não conseguiram esconder, como sempre faziam. Todo este ambiente desenvolvia um espírito cada vez mais revolucionário.
25 de Abril de 1974 pelas 7.00 horas a minha Mãe chama-me, como de costume, e diz-me que…. enfim, era melhor não ir para Lisboa porque estavam a dizer no rádio que havia por lá uma revolução. Como se duma mola se tratasse, sentei-me na cama acendi o rádio que tinha à cabeceira e que estava sintonizado no Rádio Clube Português, e só ouvia marchas militares, perguntei à minha Mãe o que tinha ouvido, mas ela coitada estava mais baralhada que eu. A minha grande dúvida naqueles minutos, era se o golpe seria de esquerda ou de direita, ou melhor, se contra ou a favor da guerra, e as marchas militares não me agradavam nada. De repente, parou a marcha e ouvi a voz inconfundível do Luís Filipe Costa lendo o célebre comunicado do MFA "Aqui, posto de comando do Movimento das …..etc, etc", que, dizia o que eu queria ouvir, ou seja, os principais objectivos do movimento eram; Derrubar a ditadura, instaurar a democracia e acabar com a guerra colonial (na altura, guerra do ultramar)
Levantei-me mais depressa que o costume, e passando pela preocupação da minha Mãe a que se juntava também o meu Pai, lá fui apanhar a camioneta para Sintra, bebi a bica no Cintya e antes de entrar no comboio que acabava de chegar, reparei que chegavam muitas pessoas, vindas concerteza de Lisboa, como se fossem 7 horas da tarde. Então fui atrás dum funcionário da CP e perguntei se ia haver comboios para o Rossio, e ele disse-me que sim, só não sabia é se depois havia de Lisboa para Sintra. Sem problema nenhum, pois o que eu queria era ver a revolução ao vivo, lá fui como se dum dia normal se tratasse, até ao Rossio. Como todos sabemos não foi um dia normal, mas o que se passou comigo é outra história, interessa é que ao fim do dia 25 de Abril de 1974 já estava na Abrunheira com os meus comparsas a trocarmos as histórias do Dia, e eu com a edição actualizada do "O Républica" (Que guardo comigo até hoje), e a delinearmos a estratégia para o nosso grupo, agora em total e completa liberdade. Passamos essa noite a jogar king e a ouvir as notícias pela rádio na adega do Pai do Zé Carmo Silva. Tenho receio de referir nomes porque podem falhar alguns e até mencionar outros que na altura não estavam, mas não errarei muito se disser que nessa noite pelo menos estava eu, o Zé Carmo Silva, Zé Marques, Fernando Marques, Mário Martinho e Rui Simplício.
O ano de 1974 foi correndo com todos os acontecimentos que nós conhecemos, e as nossas actividades foram evoluindo, agora com outras matérias, e o conceito de Associação foi crescendo até que nos finais de 1974 o que viria a ser a URCA estava feita. Fomos falando com o pessoal do futebol e no final do ano estava tudo acordado. Faríamos a união e o nome penso que foi logo acordado com eles.
Fomos fazendo o trabalho de casa e, lembro-me bem, que uns dias antes ou na véspera de 3.01.1975, reunimos na casa dos Pais da Odete Santos (pelo menos), eu, Carmo Silva, Zé Marques, Fernando Marques, Mário Martinho, Paulo Jorge, Zé Barros, Cristina Peniche, Fernanda Barros, Joaquim António (Quitó) e Odete Santos. Assistiram, porque estavam em casa, o Joaquim e a Julieta Santos. Ai foi combinado tudo o que havia para combinar e ficamos prontos para o grande momento.
No dia 3 de Janeiro de 1975, reunimos uma grande Assembleia no local onde funcionava a sede do Grupo Desportivo e se chamava "A Sociedade".
Foi declarada a criação da URCA-UNIÃO RECREATIVA E CULTURAL DA ABRUNHEIRA, e foram logo eleitos os Órgãos da nova Associação. Direcção, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal. Assinaram o livro de presenças, e, por consequência passaram a ser Sócios fundadores, cerca de 30 pessoas. "
Continua..........