sábado, 8 de dezembro de 2007

LEVAR O GADO AO MONTE E...

O Silvestre conta-nos como era passado o tempo dos meninos à muitos anos atrás.
Junto texto sobre como alguns rapazes de 7/8/9/10 anos passavam, naquela época, parte do seu tempo nesta nossa Terra. No meu caso não fazia sacrifício nenhum. Dava esta ajuda à minha Mãe com gosto. Como trouxe há dias o Bento ao Blog, os fornos de cal eram uma arte. Para além disso, o forno de cal fascinava os putos da minha idade e, ainda hoje, não sei bem porquê. Aquele que é a foto do Bento, que é bem perto da minha casa nessa altura, vi eu a trabalhar muitas vezes, e, de vez em quando, ia até lá, e não ia mais vezes, porque a minha Mãe não gostava e dizia-me que era perigoso. Sinto o calor brutal que fazia quando nos aproximava-mos.

"Esta Abrunheira, Terra de abrunhos e Abrunhenses, afagada pelo rio das Sesmarias, era até há 40/50 anos zona agrícola como toda esta nossa região de Sintra e Saloia.

Por esta altura começaram a aparecer as primeiras fábricas, aqui mesmo na Abrunheira a SINCAL, que os edifícios ainda lá estão como eram, em frente à rotunda da bomba da "Repsol", e muito perto junto à antiga estrada Lisboa/Sintra do lado de Mem Martins a Resiquímica e logo depois a Adreta Plásticos, ambas ainda de pé e empregando muitos moradores da Abrunheira ao longo de todos estes anos e ainda hoje. Logo rápido se seguiu outra e, nunca mais parou.

Mas voltando ao antes da nossa revolução industrial, a Abrunheira era 100% agrícola. Percorriamos a única rua , que é hoje a MFA, e tínhamos um autêntico tapete de saudável bosta de vaca e caganitas de ovelha, que, aumentava de altura, junto ao bebedouro do chafariz e no Stº António. À volta da Abrunheira víamos todas as terras cultivadas. Da janela da minha casa, na altura, ou da varanda da casa do meu Avô, via, em direcção à Colónia (EPS), Linhó e, à esquerda, até ao Chico da Beloura. As searas dançando ao sabor do vento, e com tonalidades diferentes, porque se no "Serrado da Fonte" se semeou cevada, na "Mulata" se semeou aveia e nas "Ferreiras" trigo, ao longe oferecem tons ligeiramente diferentes. Os "Celões", de tão grande que era, (parte considerável do que hoje é a Qtª da Beloura) havia anos que se dividia em, uma parte de trigo, outra de cevada e outra de aveia. E a debulha ?? Quinze dias no "Cerrado da Fonte" aquela máquina enorme, com rodas enormes, com uma correia enorme, que não se cansava de debulhar grão e enfardar a palha. Quinze dias para o meu Avô de quem herdei o nome, e a máquina sempre, sempre a trabalhar, sempre a fazer barulho muito barulho e os homens sempre a trabalhar e as mulheres sempre a trabalhar, sempre, sempre.... sacos de trigo, cevada, aveia, fardos de palha, muitos, muitos, depois, de repente, fica só o silêncio... e os homens trabalham e as mulheres trabalham, sempre, sempre....

Todas estas parcelas eram percorridas, depois das colheitas e debulhas, pelo gado que acabava com o restolho até virem as primeiras chuvas de Setembro. Muitas vezes eu fiz parte dessa caminhada com a "Briosa", a "Malhada" a "Bonita", a "Carocha", a ...., nomes que a minha Mãe dava às suas vacas mães e depois às filhas e depois netas... sempre, sempre pelos anos fora, e eu, com gosto, repetia os nomes e os carinhos e festas como a minha Mãe fazia. Levar o gado ao monte , era assim que se dizia e eu levava e gostava e ficava o tempo que fosse preciso, até a sombra do pauzinho espetado na terra atingir o risco que eu de manhã tinha feito na direcção da Qtª do Anjinho, ou, se fosse à tarde, na direcção de casa, era o primitivo relógio de sol que eu sabia regular e marcar conforme o sitio onde estivesse. Algumas vezes as minhas vacas também sabiam contar o tempo, e, quando isso acontecia, mais ou menos no tempo do pauzinho espetado no chão, encaminhavam-se para o sítio de saída para o caminho de casa.

Como eu, havia outros rapazes que levavam o gado ao monte. O Marinho uma vez adormeceu com as suas ovelhas e já era de noite e toda a gente, de lanterna na mão, à procura do Marinho.Mas só adormeceu, não aconteceu mais nada.

Enquanto o gado pastava, e andava, e descansava e voltava a pastar outra vez, eu tinha as minhas brincadeiras e não dormia. Brincava (construía) aos fornos de cal, esta brincadeira podia demorar vários dias, porque era preciso sustentar a abóbada com pedras bem a jeito para a função. Daí ser empreitada iniciada quando sabia que ia alguns dias para aquele sítio. Por vezes era necessário levar pedras pelo caminho, e chegado lá, continuar a paciência, sim, porque era uma brincadeira de paciência. Quem sabia melhor fazer (brincar) fornos de cal era o Zé Fernando. Ele às vezes ia com o Ti Abílio, Pai dele, ao forno onde estava a trabalhar e o Pai dizia-lhe tudo, explicava em pormenor os segredos de construção do forno de cal. Lembro-me que o Ti Abílio tinha muito jeito para a rapaziada nova. Às vezes eu ia brincar com o Zé Fernando e gostava muito de ouvir as histórias do Ti Abílio. Há muitos anos que não falo... falar, conversar mesmo, com o Zé Fernando, e quando damos por nós, passou metade da idade, sim, idade que é aquele tempo contado em anos de vida vivida. Naqueles fornos de cal, para o Ti Abílio, o tempo eram meses e meses contados em molhos de lenha para a fornalha que do lume infernal se queria que derretesse a pedra que havia de ser cal para construir e caiar de branco as paredes das casas dos muros dos prédios e para as valas dos defuntos sem campa sua. "

Continua......

Silvestre