terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Exportação de grilos............

No dia 16 de Dezembro, numa postagem, o Silvestre falava de como se apanhavam grilos.





Logo no comentário ao post o Frederico informou que se fazia exportação de grilos para Lisboa e que um dia contaria essa história, pois aqui está ela.



"No seguimento da explicação de como se apanhavam grilos dada pelo Silvestre, lembrei-me da “exportação” destes simpáticos animais que, durante algum tempo, o meu irmão Paulo fez para Lisboa.
Para se entender a história, tenho de contar para onde iam os grilos.
Uma tia-avó minha, de nome Vitória, tinha uma mercearia no fim da Rua de São Bento, em Lisboa, exactamente onde hoje existe uma dependência bancária, quem desce a rua do lado direito, antes do jardim.
A mercearia era muito concorrida e o marido da minha tia, o Afonso, vendia as famosas casinhas para grilos, de plástico. Lá dentro, o estabelecimento era muito bonito, todo em tulhas, e em cada tulha havia um género diferente. Num grão, noutro feijão, farinha, milho e tudo mais, uma verdadeira loja à antiga, como a do filme do Evaristo, que tantas vezes vimos. Do que eu gostava mesmo na loja era da faca do bacalhau. Ali encostado àquela verdadeira máquina de triturar bacalhaus, sentia-me verdadeiramente poderoso, devia ser da proximidade à Assembleia Nacional…
Cá fora, pendurados sobre a porta, estavam alguns artigos de drogaria, os pincéis, as latas de cera, as ratoeiras e as casinhas de grilo entre outras quinquilharias.


As casinhas passavam muito tempo penduradas sem clientes, e então um dia, não sei exactamente como, o bom do Afonso e o meu irmão decidiram fazer um negócio. O Paulo apanhava os grilos aqui, durante a primavera e o verão. Levava-os e recebia por cada um dez tostões. O Afonso juntava a casinha de grilo, que normalmente vendia por outros dez tostões, e vendiam o conjunto por vinte e cinco tostões. Negócio da China, mesmo sem lojas chinesas… Com o lucro obtido, o meu irmão pagava “pirolitos” ao pessoal todo, que eram bebidos na mesa de pedra redonda da taberna da Ti Emília.
Voltando à Abrunheira, era frequente apanharmos grilos, ou melhor, alguns apanharem, eu, muito raramente. Até cobras saíam dos buracos, grilitos era só de longe a longe. A verdade é que o meu irmão e o João Luís eram bons apanhadores e capturavam os que queriam. Quando a minha mãe avisava que íamos à minha avó ou à minha tia, cujas casas eram frente a frente com a rua a separá-las, o frenesim da captura começava. Talvez esteja enganado, mas havia qualquer coisa que acontecia com os grilos que tinham de ir separados, se calhar matavam-se uns aos outros, não me recordo. Sei que o Paulo levava os grilos em caixas de fósforos daqui até à rua de São Bento, nos transportes públicos, como se levasse vidros, com todo o cuidado. O único momento em que descurava a segurança da mercadoria era quando, no Rossio, entrávamos nos autocarros verdes de dois andares que nos levavam ao nosso destino, que era também o fim daquela linha. Assim que entrávamos, subíamos os três para o piso superior, encostados ao vidro da frente a ver o caminho, era uma emoção. E só aí é que o Paulo baixava a guarda com a mercadoria.
Chegado ao destino, depois dos beijinhos às avós, tias e criadas, e eram muitos beijinhos, as caixinhas eram entregues - lembro-me de uma vez serem cerca de quarenta grilos!
Ao contrário das gaiolas de grilo vazias, que não se vendiam nem por mais uma, as ditas com o bichinho lá dentro e uma folhinha de alface, parecia que eram os hambúrgueres dos tempos modernos, saíam todas num instante, às vezes até havia encomendas prévias…
Não sei quanto tempo durou este negócio, se um ano, se dois, mas que os grilos da Abrunheira chegaram a muitas mãos lisboetas, lá isso chegaram!"


Frederico