quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Terra Com História


"Noutra ocasião contei a história do Coutinho que era Bernardino e não Coutinho, a propósito de como a Abrunheira passou a Brasil e os Abrunhenses a Brasileiros.
A “Alcunha” de Coutinho ganhou-a nessa altura porque o parceiro do Sacadura era assim que se chamava, mas o nome consagrado na pia baptismal foi Bernardino, isso; Bernardino de arte aprendida com picareta na mão, que de tantos caboucos, valas e poços abriu, se orgulhava de ser o melhor “cabouqueiro” que na Abrunheira e arredores havia. Como dizia o Octavinho,(Já noutra altura aqui disse, irmão da Ofélia, filho do Ti Veríssimo e da Ti Estrudinhas, guardar, alimentador e mugidor das vacas leiteiras que em poucos passos pesados se emborcavam na água do bebedouro do chafariz/monumento da Abrunheira) quando contava as histórias do Coutinho que era Bernardino, depois do tinto lhe ter passado pela goela , pelo menos três “charretes”, (garrafa de vinho, enchida do barril, entre 33 dl e 50 dl ) costumava dizer com ar solene “Eu sou cabouqueiro, tenho a ciência… da pedra”.
O Coutinho que era Bernardino, homem de músculo a valer, depois de metidas umas “cherretes” e mais umas “ciganas” (cigana; garrafa de vinho enchida do barril de 33dl), tinha o hábito de mostrar a força que a prática com a picareta lhe proporcionava. Então, também por via do Octavinho, que era um contador de histórias daqueles…, e hoje sub-contadas pelo meu irmão que se péla por contar uma história, bem acrescentada, com artes que só ele tem, então, dizia eu, uma ocasião o Coutinho que era Bernardino, estando na taberna do “Osvaldo/Faial”, e depois de passadas umas “charretes”, meteu-se-lhe na cabeça em apostar com o “Osvaldo”, o Taberneiro, cinco litros de vinho do tintol, em como era capaz de levar nos dentes, uma saca de farinha (não tenho a certeza, mas pesaria 50/60 Kgs), desde a padaria,( no mesmo sítio onde é hoje) até casa dele que era onde hoje mora o Casaca, parando para descansar 5 vezes. O Osvaldo, descrente da força dental do Coutinho que era Bernardino, que naquele tempo teria a pasta medicinal couto a dar os primeiros passos, mas não luxo duma terra como a Abrunheira, disse-lhe; “Pois bem, aposto os 5 L de tintol e ainda te dou a saca de farinha (naquele tempo uma saca de farinha era uma fortuna) se conseguires chegar a tua casa com ela pelos dentes”. O Osvaldo realmente não acreditava que fosse possível, ainda por cima, com aquelas “charretes” todas!
Bom, foi dada a partida, com o pessoal cliente das cherretes e ciganas como testemunhas, e o Coutinho que era Bernardino lá arrancou com a saca de farinha nos dentes, parou 2 vezes para descansar, e em menos de nada já estava ao pé do chafariz, fresco que nem uma alface e até parecia que as “charretes” não tinham passado por ele. O Osvaldo, que também não era assim tão burro, vendo que a saca de farinha se estava a ir, estancou o Coutinho que era Bernardino na paragem do chafariz, e… quebrou a aposta! “não, é melhor parares aqui, porque se não, ainda partes os dentes e depois tenho que ouvir a tua mãe, e eu não t’ou p’ra isso”. Ganhaste a aposta, podes ir buscar os 5 L de tintol e eu vou levar a saca de farinha para a padaria. O Coutinho que era Bernardino, lá se conformou, mas ficou-lhe a saca de farinha atravessada.
Este tempo passado em anos, se calhar mais do que os que eu já contei em idade feita, era numa época em que na Abrunheira não havia alcatrão, nem luz eléctrica, nem água canalizada, nem hamburgers, nem banda larga, nem…. Muito, muito mais coisas…
O Coutinho que era Bernardino, com a sua Mãe, a Ti Mariana Soleta e o Pai Ti Victor, eram uma família simpática que, pelo que rezam as histórias, toda a gente gostava."
Silvestre Félix