sexta-feira, 16 de maio de 2008

Nas tardes de domingo


"Era um cowboy insolente, aquele que se chamava “Trinitá”. Fez muito sucesso naquele tempo, tempo passado e contado em anos bons e maus outros assim – assim, fui também naquela onda enorme de pseudo - cinéfilos que caminhavam por aquele atalho de pedras roladas e possas de água morna pelo tímido sol, na direcção do cinema Chaby. Sapatos ou botas carentes de limpeza depois daquela jornada de terra batida.
A féria semanal pouco sobrava para sessão de cinema no Chaby ou no Carlos Manuel. Quando chegados à Charneca já cheirava fora de terra, a Abrunheira já estava para lá, e para cá já penetrávamos numa atmosfera diferente, era outro mundo, era outra gente, era outro planeta. Também fomos aos “Canhões de Navarone”. Aquele ecran enorme, e o som, isso o som, era coisa só possível de ver e ouvir ali, fora de portas, mesmo que de Mem Martins se tratasse.
Por esta época, nas telas, ainda não dava para ver cenas de amor mais arrojadas, nem alusões a tudo o que tivesse a ver com liberdades e coisas parecidas. O coronel reformado, de lápis azul na mão e, no caso dos filmes, de tesoura afiada, não deixava o povo de brandos costumes temente a Deus no céu e a Salazar na terra, aprender as coisas “más” das mundanas sociedades que por aí existiam. Às vezes as cenas saiam da tela bruscamente, sem continuidade, mas…. Era… tudo a bem da nação….
Como era saborosa a tarde de Domingo com os “Canhões de Navarone”. A guerra em África era verdadeira, mas o coronel reformado, de lápis azul na mão, fazia tudo, tudo e nada, para que deixasse de ser verdadeira. Antes de começar a história dos “Canhões” vinham os documentários do governo. Era tudo um mar de rosas aqui e em África. E os “Aerogramas” que a minha Tia Ermelinda me ditava e eu escrevia para o meu Primo Chico que estava na Guiné? E os “Aerogramas” que ele mandava em resposta e eu lia para a minha Tia? Havia guerra sim senhor! Viessem dúzias de coronéis reformados com lápis azul na mão , viessem dezenas ou centenas, mas que havia guerra havia."
Silvestre Félix