segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Aquele fato-macaco


O Silvestre com mais uma das suas histórias sobre as personagens da Abrunheira.


"Aquele fato-macaco de ganga azul era a imagem de marca. Fizesse chuva ou sol, estivesse em tempo de trabalho de tinta, quando ainda era o seu tempo de empreitar este e aquele biscate, estivesse em tempo de descanso normal ou ressaca do envolvimento absoluto com o alcoolizado sumo de uva que há muitos séculos se usa chamar de vinho, o fato-macaco de ganga azul com os toques de limpeza e costura possíveis que a Ti Natália lhe ia dando, estava sempre assente no corpo, na maior parte das vezes cambaleante, do Ti Hilário.
O Ti Hilário casado com a Ti Natália, que noutro dia hei-de falar só dela por ter destino marcante e que merece ser destacado nos Abrunhenses que eu conheci e admiro, pegando no fio do Ti Hilário da Natália, pai do Zé e do João todos da Natália. O Ti Hilário tinha a arte de aplicar as tintas e outros produtos nas madeiras, paredes e outras superfícies, que ainda hoje se diz “pintor” e tinha aquela imagem dobrada, de olhar no chão, sempre de cigarro na boca e invariavelmente a caminho ou de regresso da taberna da “Menina” Emília ou da do Ti Álvaro.
Homem de poucas palavras, e quando as ouvi, eram sempre arrastadas pela quantidade dos três em copos emborcados pela goela abaixo, e por isso posso garantir não me lembrar do som verdadeiro da voz do Ti Hilário. Ao invés, lembro-me bem da voz (gritos) da Ti Natália que o destino encarreirou para gritar pelo Ti Hilário pelo João e pelo Zé, quase sempre porque da taberna da “Menina” Emília ou do Ti Álvaro, eles transformavam em casa e bebiam até cair.
Quando anotei o Ti Hilário para falar dele, lembrei-me que, tanto quanto me consigo lembrar da vida e das muitas pessoas que passaram por ela e considerando também, a má relação que mantenho com a memória de nomes e datas passadas no tempo contado numa boa quantidade de anos que já levo de viagem terrena, lembrei-me dizia, que nunca conheci mais ninguém com o mesmo nome, e já naquela época, quando via o Ti Hilário, lembrava-me do “Fado Hilário” e do jogador do Sporting que também tinha este nome. Que me perdoem todos os Hilários desta Terra, deste País, mas quem diz a verdade não merece castigo, embora às vezes seja mais castigado que os outros… bom mas isso são contas doutro rosário.
O Ti Hilário era boa pessoa e por isso me lembro dele. Muitos mais Abrunhenses se lembrarão também e tenho a certeza que pelos mesmos motivos que eu, a sua maneira calma e muito educada, correcta e sempre afável como se relacionava com os vizinhos, e do inevitável fato-macaco de ganga azul."
Silvestre Félix
Fevereiro 2008