quinta-feira, 6 de março de 2008

O Último dos Moicanos

“O último dos Moicanos” é um título mítico, mas, em sentido figurado, pode ser usado em muitas situações e, quase sempre, pela negativa. Já mesmo só “último”, sem Moicanos, é um adjectivo indesejado por tudo e todos, ninguém quer ser o último …. ninguém quer o último….. qualquer coisa, até mesmo naquela máxima que; “Os últimos são os primeiros”, na maior parte das vezes é treta. Os últimos são mesmo últimos!
Voltando ao título mítico, também aqui, o adjectivo está lá pela negativa, e de que maneira. Naquela época, princípio dos anos sessenta, na nossa Abrunheira em mais um final de dia, naquela hora em que o gado tolerava a segunda colheita do precioso leite produzido em dia de pasto ou manjedoura, e que ainda quente, ia ser entregue no “posto do leite” nas mãos do Ti Américo, da Mulher Ausenda ou até do Zé da Natália que muitas vezes lá estava. Pegando no fio, dizia que também no título, o último (dos Moicanos) está pela negativa. É verdade, naquele tempo, e enquanto a minha Mãe tratava da função atrás descrita, eu esgueirava-me para a “Sociedade”, e ia ver o Ultimo dos Moicanos na televisão, e era o último porque os outros já tinham sido todos chacinados pelos “heróis” brancos.
E conversava com a minha Mãe que os bons ali, que eram os tropas e os cowboys, pareciam que eram maus, mas deviam ser bons…, mas eram maus mesmo, e a minha Mãe dizia que sim…, que também achava a mesma coisa. E eu também ouvia algumas notícias naquele rádio de plástico cor bege que estava na cozinha em lugar de destaque, e começava a conseguir ler o jornal “O Século” na taberna do Ti Álvaro, taberna ?? Mas os putos…. Sim eu sei, mas o Ti Álvaro deixava-me, durante o dia, ler “O século”. Oh Mãe, quando o Vitor for p’a tropa já não há guerra pois não ?? Ai Filho, Deus queira que não, ai… valha-me Deus, o que te havias de lembrar. Oh Mãe, quando eu for p’a tropa já não há guerra em Angola pois não ?? Oh Filho, falta muito tempo contado em anos para ires para a tropa. Mãe, eu não gosto da tropa. Filho não digas isso, fala baixinho… diz a minha Mãe olhando à volta muito aflita, porque naquela época salazarenta até as paredes tinham ouvidos.
Desde esse tempo, quantos “Moicanos” não têm sido mortos por uma tropa qualquer e em qualquer parte do nosso mundo,?? Muitos… muitos continuam a ser chacinados e os governantes do Universo continuam a assobiar pró lado, e com o outro canto da boca sussurram … bravo, bravo!.
Muitos anos feitos em tempo passaram e muita água do rio das Sesmarias passou debaixo da ponte da Colónia, nasceram os filhos, e filhos os filhos tiveram, e eu… continuo a não gostar da tropa!
Silvestre Félix