domingo, 13 de julho de 2008

Urbanismo?????

Aldeã
A propósito da postagem “Alta tecnologia” sugeria a publicação, de um artigo publicado na Revista Visão de 22/03/2007, na página Portugal Opinião, da autoria e com a coragem do distinto Professor Universitário Paulo Morais, (bastante elucidativa, embora longa, mas actual nos dias que correm, de grande interesse e muito real, sobretudo porque não terão sido muitos os leitores a folhear as páginas desta revista), do qual passo a transcrever na integra e, que tem como título.

"Urbanismo: cancro da democracia”.

Os pelouros de Urbanismo das câmaras municipais estão hoje maioritariamente reféns de interesses particulares. De alguns particulares. Principalmente daqueles que financiam a vida partidária e que exigem, como contrapartida, favores da administração. É aqui que está o mais pérfido ovo de serpente da corrupção.
Os pelouros de Urbanismo deveriam, em primeiro lugar, responsabilizar-se pelo planeamento do território em função do interesse colectivo; competir-lhes-ia, ainda, o licenciamento de obras no respeito da lei e dos regulamentos, nacionais ou locais; e, por último, cabe às autarquias fiscalizar o cumprimento das regras de planeamento e o respeito pelo licenciamento.
Infelizmente, o planeamento submete-se, a maioria das vezes, a interesses privados. Os planos directores mais não são hoje do que bolsas de terrenos, ainda por cima bolsas pouco sérias, já que o valor não é intrínseco a cada terreno, mas dependente de quem é proprietário. Atente-se, por outro lado, nos processos de revisão dos PDMs por esse país fora; averigúe-se de quem são os terrenos que sofrem alterações de classificação de solos rurais para urbanos, sem o devido fundamento legal. Pasme-se até porque os critérios que poderiam, excepcionalmente, permitir tal operação deveriam ter sido regulamentados há sete anos (sete!). Curiosamente, o sistema foi-se esquecendo de o fazer, permitindo pois todas as arbitrariedades em alterações de classificação de solos; e possibilitando que alguns autarcas mascarem de interesse público os que são afinal os interesses privados dos seus patrocinadores. Interesses de tal monta, que conseguiram subjugar quatro primeiros-ministros, de outros tantos governos do bloco central de interesses. Até hoje. Em qualquer dos casos, e uma vez que existe planeamento, é fundamental um licenciamento que se lhe submeta. O que frequentemente também não acontece. Ou seja, quando por uma qualquer razão o licenciamento de determinado empreendimento favorece determinado grupo ou negócio, permite-se que o licenciamento contrarie o planeamento. Esta é a consequência de uma confusão total a nível legislativo e normativo. Nos interstícios deste emaranhado legislativo, quem tem poder, tudo consegue. Há, aliás, três castas de cidadãos face à legislação e regulamentação do urbanismo: os que nada conseguem fazer – nem mesmo aquilo que está na lei; os que estão minimamente informados e conseguem aceder à lei – mesmo que, por vezes, com muito esforço; e finalmente, os poderosos tudo conseguem, pela via do tráfico de influências. Por ultimo, o terceiro pecado mortal, a fiscalização. Esta é uma fraude em si e gera mecanismos de pequena corrupção. A forma sistemática e previsível de que se reveste permite que, de modo igualmente sistemático, se organizem os prevaricadores. É este o estado a que chegamos. Mas se o diagnóstico está feito, porque não se encontraram já soluções? Porque não se alterou já todo o modelo, prevenindo a corrupção? Por duas ordens de razões. Umas de teor corporativo. Está muito bem instalada uma oligarquia que é composta por três grupos muito bem identificados, que são os promotores imobiliários, arquitectos da «esquerda caviar» e grandes gabinetes de advogados, que ajudam a formatar todo este edifício e a branquear toda a manipulação urbanística. Por outro lado, há ainda uma causa bem mais grave e profunda: o financiamento da vida partidária. Muitas vezes, aqueles que são os gestores públicos estão ao serviço de lógicas partidárias que, por sua vez, se submetem a estratégias de negócios. Assim, muitos dos que fazem da vida partidária a sua profissão, quando têm acesso ao aparelho de Estado na administração local ou central, acabam por favorecer quem sempre os financiou. É até uma questão de gratidão…
Os escândalos que recorrentemente surgem ao nível do ordenamento, do planeamento, do urbanismo, são afinal o corolário lógico deste sistema perverso que aqui descrevo. O caos urbanístico do Algarve e as trapalhadas do Parque Mayer em Lisboa, ou da Quinta da China no Porto, mais não são do que a ponta deste iceberg, que é a manipulação urbanística, que abalroa qualquer esperança de desenvolvimento e leva Portugal, irremediavelmente, para o fundo.
Destacado em caixa pode ler-se; Muitas vezes, os gestores públicos estão ao serviço de lógicas partidárias que se submetem a estratégias de negócios.
A. Bento